6 de dezembro de 2010

CRASH - ESTRANHOS PRAZERES, a.k.a. As preliminares numa corrida de kart!


Direção: David Cronenberg
Ano: 1996

"Não vemos, em um acidente de carro, os presságios de um casamento de pesadelo entre a tecnologia e nossa própria sexualidade? ... Existe alguma lógica desviada desenrolando-se aqui, mais poderosa do que a prevista pela razão?" [Crash (1973), de J.G. Ballard]


Cronenberg, cineasta resposável por diversos filmes perturbadores, nunca conseguiu me atingir tanto quanto neste filme. Aqui não há a bizarrice de dois irmãos gêmeos que querem compartilhar tudo, nem mesmo a peculiaridade de um jogo de video game que acoplamos ao nosso próprio corpo. Aqui a obsessão dos personagens é por algo real.

Todos nós esticamos a cabeça para ver algum acidente de carro na rua. É mais forte do que nós, essa necessidade de saber, de materializar aquela situação na nossa cabeça. E na adaptação do romance de J.G. Ballard - também intitulada Crash -, de 1973, o que temos são pessoas que levam essa curiosidade, ou melhor, esta necessidade ao extremo. O protagonista James Ballard (James Spader) e sua esposa, desde o começo do filme "fogem" um pouco à regra dos casamentos como estes deveriam ser na teoria: além de manterem diversos relacionamentos extra-conjugais, ao transarem um com o outro, conversam e detalham estas experiências para o outro.


Mas, após James sofrer um acidente de carro - e matar o homem que dirigia o carro no qual bateu - as coisas mudam de figura. Ele conhece a viúva do morto, a Dra. Helen Remington (Holly Hunter), que também estava no acidente. Eles começam a ter um caso, mas o objeto principal da relação deles é o carro. Tudo envolvendo carros - principalmente os acidentes - servem de alimento, não só para os dois, mas para um grupo de pessoas que James virá a conhecer.

A partir de um evento que recria acidentes de carros de pessoas famosas, exemplificado no filme pelo acidente de James Dean (1955), que ocasionou a sua morte, James entra em um mundo de obsessão em que a violência dos acidentes tornam-se a droga primordial para a excitação sexual. Não importa com quem você faz sexo; na verdade, o sexo é o alívio para toda a compulsão sexual que carros acidentados inspiram.


E é nessa onda de voyerismo que nós, espectadores, percebemos que os principais voyeurs somos nós: apesar de toda a repulsa, toda a incompreensão que possamos ter pelas ações do personagens, não conseguimos desgrudar os olhos da tela - pois para nós o prazer e a violência também se mesclam, e não dá para não olhar. Os ferimentos e cicatrizes dos personagens não são vistos como algo chocante entre eles, e sim como marcas desta libertação sexual, causada por novas experiências.


Em meio a personagens vazios, à procura da satisfação dos seus mais secretos desejos; a todo o desapego / consumismo / sentimento de substituição - onde procura-se o próximo objeto a ser possuído; É no meio deste clima de sonho/pesadelo que o autor nos apresenta questões da psicologia humana X toda a tecnologia moderna que temos à nossa disposição. Pois, como pode uma sociedade aceitar tal tecnologia perversa, responsável pela morte de tantas pessoas, como algo tão importante para a nossa cultura?

Mas no final das contas, o que pode ser considerado normal no que diz respeito ao desejo humano?

Um comentário:

  1. Crash é maravilhoso. Um filme em total controle nas mãos do diretor. O tema é interessante e gera um olhar, uma crítica em cima de todo esse voyerismo! Bela análise!
    Venha me visitar! Abração!

    Sandro Azevedo
    blog24fps.blogspot.com

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