26 de agosto de 2010

FESTIM DIABÓLICO, a.k.a. O que a repressão sexual não faz com as pessoas!



Direção: Alfred Hitchcock
Ano: 1948

"O homicídio é uma arte, logo, o privilégio de cometê-lo deve ser reservado aos poucos que são realmente seres superiores. E as vítimas são seres inferiores sem importância".

Ontem revi esse filme maravilhoso, porque decidi escrever sobre os quatro filmes do diretor que contaram com a atuação de James Stewart: Festim Diabólico (Rope), Um Corpo que Cai (Vertigo), O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much) e Janela Indiscreta (Rear Window). Estes quatro filmes, curiosamente, fazem parte dos "chamados" Os Cinco Filmes Perdidos de Hitchcock, que também incluía O Terceiro Tiro (The Trouble With Harry). Pelo que eu entendi, por causa de problemas de direitos autorais, esses filmes ficaram muito tempo sem serem exibidos, e só foram relançados em 1984.


Festim Diabólico foi inspirado no caso Leopold-Loeb, dois jovens de 18 e 19 anos que mataram um adolescente de 14 anos, simplesmente para poderem provar que eram intelectualmente superiores e, por isso, poderiam cometer o crime perfeito. Essa "ideia" se baseava no conceito de super-homem criado por Nietzsche no livro Assim Falou Zaratustra. Este fala, basicamente, que, se você é um super-homem, você não precisa de Deus.

Este foi o primeiro filme colorido de Hitchcock, e foi todo realizado em planos-sequências que duravam de 4 a 10 minutos, e tem apenas uns 8 cortes. E a maioria desses cortes foi "falseado", onde o diretor buscava um ponto escuro de fuga (normalmente as costas de um dos personagens), fechando o plano lá e quando o reabria, já era um novo rolo. O objetivo era fazer como se fosse uma peça de teatro, contínua.

Segundo o roteirista, Arthur Laurents, a peça que serviu de guia para o roteiro do filme (Rope's End, de Patrick Hamilton), claramente falava de homossexuais, mesmo que ninguém falasse sobre isso na época - por causa, principalmente, da censura e da Igreja Católica. Mas para o próprio roteirista, o que importava não era isso, e sim o fato de eles serem homossexuais homicidas que, acima de tudo, dão uma festa para comemorar o assassinato, mesmo que os outros convidados não saibam disso.




O filme começa com Philip (Farley Granger) e Brandon (John Dall) assassinando David (Dick Hogan). O colocam na arca que ficava na sala de estar do apartamento de Brandon, pois planejam jogar o corpo em um lago após a festa. Enquanto Brandon se sente confiante com o que acabaram de fazer, Philip se sente mal - até mesmo envergonhado. O que parece é que Philip foi na "onda" do plano de Brandon e agora não está muito certo se deveria tê-lo feito.

A festa que, segundo Brandon, seria a assinatura dos artistas - já que o crime também é uma arte e eles devem provar que são muito inteligentes a ponto de saírem impunes com o crime perfeito; deveria ser bem ousada. Com isso, ele tira os pratos e as velas da mesa de jantar e os coloca sobre a arca - assim, os convidados comeriam em cima do caixão de David.

Durante toda a festa Philip, que já está uma pilha de nervos, vai ficando mais tenso a cada segundo, ele tem medo de que as pessoas descubram; enquanto Brandon parece querer sempre levar a situação ao limite, conversando sobre assassinato com os convidados, expondo sua opinião sobre a teoria do Super-homem e, inclusive, privocando o próprio Philip com a hstória de que ele seria um ótimo estrangulador de galinhas.


Para Brandon, o ponto alto da noite seria a presença da pessoa que os ensinou o conceito de Super-homem, o professor Rupert Cadell. Segundo o roteirista de Festim Diabólico, Brandon e Rupert teriam tido um caso há algum tempo, e os sinais disso estariam nas conversas e na forma como Brandon quer sempre ter a "aprovação" do professor, que parece conhecê-lo intimamente - como quando comenta o fato de Brandon estar gaguejando, e que ele só o fazia quando estava nervoso. Mas, quando os dois jovens assassinos conversam sobre o professor, Brandon elogia sua excelente teoria, mas acha que Rupert seria incapaz de agir de acordo com o que pregava.

Ao longo do filme ouvimos diversos trocadilhos, vindos dos vários personagens presentes na festa - inclusive de Brandon e Philip - e somente eles dois e nós, os espectadores, os entendemos, já que também presenciamos o assassinato. Estes só servem para deixar Philip com mais medo de ser pego.

Com o passar da noite Rupert começa a desconfiar que algo está errado com a festa. David não aparece, seu pai já está muito preocupado, sua mãe liga o tempo todo, sua namorada está sendo empurrada para outro rapaz por Brandon, e Philip parece estar cada vez mais tenso com algo que ele não sabe o que é. Quando o professor fica sozinho com Philip na sala de estar, ele o interroga e nota o crescente nervosismo do rapaz. A partir daí Rupert passa a observar de perto o comportamento dos dois, principalmente o de Philip, e passa a fazer perguntas aos convidados e à empregada.


Nós, os cúmplices do crime, percebemos as expressões denunciadoras de Philip, e quase nos desesperamos também, pensando se, desta vez, o professor captará o que está acontecendo. O jovem quase se denuncia quando vê que os livros que Brandon deu ao pai de David estão amarrados pela corda que matou o rapaz.

A festa chega ao fim. David não aparece (e nós sabíamos que não iria, não é?), as pessoas vão embora preocupadas e, na hora em que a empregada vai entregar o chapéu de Rupert, ela o entrega o chapéu errado por acidente. O professor repara que o chapéu que lhe foi entregue continha as iniciais de David no fundo. Ele vai embora mas, após a partida da empregada - quando Brandon e Philip começam a se organizar para remover o corpo - Rupert volta com a desculpa de que esqueceu sua cigarrilha.

Philip está mais nervoso do que nunca, porque agora está certo de que Rupert sabe do crime. Brandon o acalma mas, por segurança, coloca sua arma no bolso, caso o professor de fato saiba alguma coisa. Depois de alguns momentos, algumas conversas, a arma vai parar na mão de Philip, mas Rupert consegue tirá-la dele, a arma dispara contra o chão. O professor, ao ouvir os motivos do crime dados por Brandon, se sente responsável por este também - já que, de certa forma, fomentou a ideia do crime perfeito em Brandon. Se envergonha dos conceitos que defendeu por tanto tempo.


Ao ver a reação de Rupert, Brandon se sente confuso - pois esperava que, mesmo que o professor não fosse capaz de cometer pessoalmente o crime, admiraria a iniciativa do outro. De certa forma, ele esperava a aprovação de Rupert. O professor, derrotado moralmente, só tem uma coisa a fazer: abre a janela e atira várias vezes para fora do apartamento, e depois espera a chegada da polícia - que sabemos que está vindo pois ouvimos o som das sirenes aumentando.

Festim Diabólico fez muito mais sucesso na Europa do que nos EUA. Em entrevistas presentes no Making Of do filme, as pessoas atribuem o "fracasso" do filme não somente aos elementos já falados aqui, como a homossexualidade (que mesmo quê de forma sutil, estava presente) ou a linguagem diferenciada. Muitos acham que o papel que foi dado a James Stewart não combinava com a concepção que o público tinha dele - logo, não ficaram convencidos com o professor. Não sei, acho que não é o tipo de filme em que devemos perceber como cada personagem é intimamente e, diferente de muitos personagens do próprio Hitchcock, o professor não é alguém que facilmente poderíamos classificar de bom ou mau. E também por ter a imagem de "bom escoteiro", James Stewart quebrou um pouco o tom sexual do filme, já que não aparentava que tivesse tido uma relação com algum dos dois assassinos.

O filme também enfrentou muitas dificuldades técnicas, já que as paredes dos cenários deveriam ter a capacidade de se moverem - principalmente por não haverem cortes visíveis no filme; as câmeras que registravam em cores eram enormes, e precisavam justamente de muito espaço para se movimentarem, acompanhando os atores; os fios dos equipamentos, além de não aparecerem (obviamente), muitas vezes atrapalhavam os atores, que se movimentavam sem parar pelo espaço cenográfico, tendo uma câmera os acompanhando; fora os problemas de ensaios e tomadas perfeitas por, pelo menos 10 minutos, todos em perfeita sincronia....

Um humor negro povoa este filme diferente de tudo o que foi feito naquele tempo. E, por mais que não seja dos filmes favoritos de muitos fãs de Hitchcock, serviu para comprovar seu título de Mestre do Suspense - sempre inovando, tentando levar o espectador ao limite.

Um comentário:

  1. adorei o post! hoje mesmo eu tava tentando entender pq n gosto mto desse filme e acabei caindo aqui...

    acho q tem a ver com a expectativa criada pela fama do filme, mas também com o james stewart mesmo, ele realmente não casou com o personagem

    achei legal essa informação de que os assassinos seriam um casal... realmente faz sentido a cumplicidade se manter até o fim

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